24 abr Todo mundo tem histórias pra contar. Chegou a vez de contar uma das minhas.
Até os 6 anos morei em um sitio, andando descalça, subindo em árvores, fazendo bolinho de barro e comendo depois, nadando no riacho que cortava o terreno do vizinho, brincando no meio das plantações dos meus avós ou mergulhando na montanha de feijão que meu avô depositava na sala após a colheita, até que ele fosse ensacado.
Tenho inúmeras lembranças maravilhosas dessa época, mas quando tive que sair do sítio, “ir para a cidade” e iniciar o tal do “prezinho”, as coisas começaram a ficar complicadas.
Percebi que o “mundo lá fora” era bem diferente do que eu estava acostumada. Tinha que usar sapatos, sentar de perna fechada, seguir uma rotina, seguir um padrão, me comportar como uma menina… aliás, isso foi o que eu mais ouvi durante anos da minha vida: “Te comporta!!!” . Mas o se comportar significava não ser quem eu era, e isso me fazia acreditar que o que eu era não era admirável, era feio ou que eu deveria ter algum problema.
Com tudo isso vinham inúmeros “por que”: por que preciso usar sapatos, sentar de perna fechada, ser delicada, não expressar muito os sentimentos, ser fofinha etc etc etc… ui, que saco! Eu era a “menina dos por que”.
E desde aquela época eu sempre procurava achar uma tribo na qual eu pudesse ser pelo menos um pouco eu, sem cobranças ou sem parecer tão estranha. Já tive meus momentos de ser heavy metal, skatista, grunge, e até tentei ser patricinha, mas nesse não consegui chegar nem perto pois continuava sentando de perna aberta e tirando os sapatos na balada quando meus pés imploravam por isso.
Depois de muitas tentativas resolvi ser nômade, ficar um pouco em cada turma, assim não daria tempo suficiente para as pessoas começarem a me fuzilar. Doce ilusão, sempre dava e isso me trazia muito sofrimento.
Se eu fosse risonha, os homens achavam que eu estava dando mole, se eu tinha sucesso no trabalho era APENAS porque era bonitinha e risonha, as amizades com mulheres vinham cheias de interesses e inveja (e eu me questionava: invejam o que, Jesus? Eu com esse jeito “Fiona” de ser?!).
Acreditava em tudo que me falavam e já passei por alguns apuros por não ver a maldade no outro. Eu chorava demais…. nossa, como eu chorava. Ia trabalhar parecendo um buda com os olhos inchados e dava a desculpa de estar com enxaqueca. Por que era tão difícil ser EU? Muitas vezes tentei ser diferente e quando fazia isso, ficava doente.
O tempo foi passando e fui aprendendo a me conter um pouco mais, a me moldar conforme a sociedade esperava.
Comecei a trabalhar num centro espírita que foi de grande valia mas onde não fiquei por muito tempo. Por que? Porque não me encaixava nas regras, no “tem que”, nos vários “não pode”. Depois comecei a trabalhar em um terreiro de umbanda que também foi de grande valia, pois era bom sentir a energia de amor do preto velho, a pureza dos eres, a força do cabloco e a alegria do exu, mas também fiquei pouco tempo porque também “tinha que” e “não pode”…
Gente, respeito todas as religiões, seus padrões e suas verdades, tive muita ajuda nas casas nas quais eu trabalhei e sou imensamente grata, mas pra mim, seguir um padrão, fazer x se meu coração pedia com toda força por y era impossível… e olha que eu tentei.
Depois disso veio o processo de despertar de consciência, os seres de outras dimensões e os trabalhos relacionados a eles, e as coisas começaram a mudar. Eu achei o máximo, pois finalmente teria uma tribo onde eu poderia ser EU.
Algum tempo se passou.
Resultado? Sobre a tribo: fiquei mais solitária ainda. A jornada por um tempo é muito só e sobre ser eu, de certa forma comecei a aceitar mais como eu era, mas ainda tentava me enquadrar, agora nos padrões de uma terapeuta holística, porque sendo terapeuta e tendo consciência de certas coisas eu não podia ter medo, ego, tristeza, não podia me permitir os prazeres que essa terra oferece, como se isso fosse diminuir toda a força do meu trabalho. Achava que teria que ser uma SUPER-HUMANA porque se não fosse, iriam começar de novo com todas as críticas e julgamento.
Durante um tempo, consegui manter isso, mas quanto mais eu ia despertando mais os “por ques” apareciam novamente e dessa vez eles vinham com muito mais força. E então eu comecei a entender que eu NÃO TINHA QUE NADA se o meu coração não quisesse.
Vivemos num mundo de muitas crenças e mentiras, alguém colocou na nossa cabeça que tem que ser assim e acreditamos, como forma de continuarmos sendo manipulados, limitados e reprimidos. Saindo de uma caixa e entrando na outra mas na verdade continua sendo uma caixa só, mudando a embalagem. Entendi que devido a essas “caixas” alguém sempre vai me julgar por algum motivo, então eu tinha que ser eu mesma. O que o outro vai pensar é problema dele, o que importa é seguir meu coração e honrar a minha essência.
Sou extremamente grata a tudo que vive e a todos que passaram na minha vida, através de todo esse processo é que hoje eu amo e aceito tudo o que eu sou, minha luz e minha sombra, permito-me fluir através do coração, sendo um Ser cada dia mais LIVRE de crenças e dos TEM QUE, deixando transparecer apenas a beleza de SER quem se É.
Com amor, Cris Venturini